Configurações das saudades para quem decidiu viver longe
As saudades são plurais. Às vezes se configuram como um mero “sentir falta”, uma espécie de primo pobre. Outras vezes, damos qualquer outro nome que não seja saudade, porque este parece-nos “exagerado”. Quem, afinal, sente saudade de um rodízio de churrasco brasileiro, de uma Skol gelada? E mais ainda: quem se atreve a SENTIR SAUDADE quando se está tendo a digníssima oportunidade de morar fora?
Há situações, entretanto, que nos induzem a pôr uma lente de aumento sobre o que realmente estamos sentindo quando estamos fora. Da mesma forma que a vontade de viver, conhecer pessoas, lugares, aprender coisas novas se amplia, aparecem também as sensações de carência, solidão, ócio, medo, cansaço. Daí as várias configurações da saudade.
A saudade de casa, da cidade, do país de origem bate em momentos insólitos. Quando a água da torneira sai marrom. Quando, por falha na comunicação, o prato do restaurante vem errado. Quando, sendo mulher, os folgados mexem com você nas ruas. Quando adoecemos… nesses momentos, a vulnerabilidade se amplia, e mais uma vez a saudade aparece: seja de condições básicas de saneamento, de ser você mesmo na sua língua materna, de saber como se defender naquele lugar, de ter alguém para te dar apoio na doença. O coração aperta, por mais forte e feliz que ele seja, e aí não adianta apaziguar, dar outro nome ao que se sente.
Outro amplificador de saudade é, sem dúvida, a carência. Aliás não sei bem quem vem primeiro, se a carência ou a saudade. O fato é que ambas aparecem. Ouço histórias de gente que, quando em outras terras, começa namoros com pessoas que, se estivessem no Brasil, sequer lhes chamaria atenção. Outras que se apegam ao ficante ou ao amigo de maneira mais intensa do que poderiam prever, surpreendendo a si mesmas. Aqui mesmo, em Timor-Leste, com uma semana em terras asiáticas, já havia casais se formando. Hoje, com oito meses de morada, estamos em nove casais, a maioria com uma relação bem estável, morando juntos, com planos para o futuro, e um deles com o casamento quase marcado. Detalhe: todos se conheceram aqui.
Se as relações amorosas não chegam a essa dimensão, por um lado; tendem a ser quantitativas, por outro. Ou começam quase que por acidente e, quando você vê, já está construindo toda a sua vida no país daquele que era um suposto affair, como foi o caso de duas amigas que estão na Colômbia – país onde vivi por um ano – desde 2010 por esse motivo.
Os amigos que partilham dessa experiência além-mar também ganham uma importância ímpar. Afinal, se são estrangeiros, entendem todo o escopo de novos sentimentos, se são locais, ajudam com o peso dos eventuais estranhamentos e na adaptação. E ambos, estrangeiros e locais, afastam a solidão – outro gerador de saudade.
Lá fora, até o ócio muda. Daí a importância de ter livros, ter projetos, arquivos de filmes, estar sempre criando e inventando o que fazer, porque se o ócio pega, vai certeiro na mente. Aí, já viu.
Difícil dizer a causa-mor da saudade, uma vez que ela se reconfigura várias vezes durante a experiência de quem vive longe, chegando, inclusive, a dar a impressão de que nunca ocorreu. Não se engane. Por mais feliz, adaptado e querido que você seja na nova morada, há sempre uma cerveja, uma expressão do seu idioma, um apelido, que existe lá onde você nasceu, mas não existe no seu novo lugar. E você, se enganando, não vai chamar de saudade por ser coisa pequena. Aceitar, portanto, é mais saudável.
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Escrito por Juliana Santiago
Nunca comprou melhorias no Candy Crush.