Caetano, nós não vivemos na melhor cidade da América do Sul

25 de janeiro de 2012 | Escrito por Filipe Teixeira | Diário de viagem, Oreo - Eu na Colômbia

Adquiri o hábito de caminhar. Isso é revolucionário porque em Fortaleza eu ia comprar leite na esquina de carro. Mas agora caminho. Primeiro porque não tenho carro aqui; segundo porque a cidade é linda demais e dá vontade de ver cada detalhe; e terceiro porque o clima permite que eu não derreta no percurso. De onde moro até o trabalho, levo meia hora caminhando. Passei duas semanas fazendo isso, mas agora meu horário mudou e, como entro muito cedo, 6h30, é mais seguro ir de ônibus.

É Bandeira Demais

Numa quinta-feira, a Anna recebeu um amigo dela aqui na Casa Trainee. Eu imagino o que se passou na cabeça desse cara. A Anna, alemã, branca, loira, olhos verdes, linda, gente boa, convida o cara pra conversar e tomar umas cervejas na porta da casa dela. É claro que ele vai. E ele fica até a a hora que ela quiser. Aí eu pergunto a você, que mora em Fortaleza ou que mora em alguma outra grande cidade da América do Sul: você fica na calçada de casa até uma da manhã e se sente seguro com isso? Eu não. Quando chegava de madrugada em casa vindo da farra, entrava morrendo de medo. E aqui não me arrisco. Os mesmos cuidados que tomava lá em Fortaleza, como mudar de calçada quando via algo suspeito ou não atender o celular na rua, eu tomo aqui. Mas o amigo da Anna não tomou.

Perdeu, Playboy!

Uma da manhã. Estávamos eu e Naomi na mesa da sala conversando sobre o Moulin Rouge quando a Anna entra de repente na casa e empurra a porta tentando fechá-la. Na hora eu entendi tudo: assalto. Instintivamente subi um degrau da escada e fiquei olhando o que ia acontecer. Logo depois o amigo da Anna entrou. As pessoas da casa acordaram e desceram pra saber o que tinha acontecido. A Doña Marina desceu dizendo que sabia que isso ia acontecer, porque ela ouvira os motoqueiros passando. Eram seis caras, dois em cada uma das três motos. O que estava armado desceu da moto e levou o celular do amigo da Anna, que, como qualquer pessoa que é assaltada, desmereceu o valor do objeto.

Bem-Vindas ao Novo Mundo

A Anna é alemã e ficou assustadíssima com o ocorrido, porque, segundo ela, “na Alemanha é normal ficar na rua até essa hora”. A Naomi e a Katarzyna (a polonesa que chegou um dia depois de mim), não menos impressionadas, discutiam a respeito de onde, provavelmente, o assaltante teria conseguido a arma. Elas concluíram que foi no mercado negro. A Katarzyna, inclusive, foi assaltada no centro de Bogotá. Ela contou, horrorizada, que roubaram sua câmera digital, a qual ela carregava discretamente a tiracolo. Eu não disse nada na hora porque é muito chato quando você é assaltado (e eu tenho know-how quando o assunto é assalto) e as pessoas dizem que a culpa na verdade é sua.

Mas Aqui É Diferente

É bom que fiquem claras algumas coisas: a) aqui não é a Europa, aqui existe concentração de renda e corrupção que deixa pessoas na miséria, e algumas dessas pessoas buscam no crime a solução; b) as armas são conseguidas, sim, no mercado negro, mas o mercado negro daqui (América Latina) é tão vasto quanto o branco e é composto também por policiais e pessoas que aparentemente são honestas, como empresários das comunicações e políticos eleitos; e c) câmera digital a tiracolo no centro de Bogotá é brincadeira, né? Mas eu entendo que o choque cultural pra elas é gritante, mais do que pros brasileiros ou pros outros “terceiromundistas” que venham para cá. Mas eu não me conformo é com o colombiano que conhece a dinâmica da cidade e dá essa bobeira. Não me conformo, mas entendo, afinal quem recusaria um convite da Anna?

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Escrito por Filipe Teixeira

Escritor amador e ansioso profissional.